Opinião
Uma crônica aos 17 anos
Há cinco anos foi insultado pelos soldados da "geringonça",ônicadaAdolescê887casino - hoje teria os populistas a citá-lo. Entre o mal e o péssimo, escolheu deixar de escrever. Assim está o espaço público.
Inês Teotónio Pereira
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Alguns anos atrás, meu filho escreveu um artigo publicado pelo Observador intitulado Carta aberta ao meu país. Do alto de seus recém-completados 17 anos, ele escreveu sobre a falta de esperança que sua geração tinha no país. Entre carga fiscal excessiva, falta de oportunidades, ausência de liberdade de escolha na educação e na saúde, uma lei de eutanásia sem sentido, corrupção generalizada e obsessão pela ideologia de gênero, ele ainda reivindicou a valorização dos policiais e até creches gratuitas. Enfatizou a falta de qualidade do debate político, citou Tomás de Aquino e alertou sobre o êxodo de jovens do país. Estávamos em plena "geringonça". Quando me pediu para ler o artigo antes de enviá-lo ao jornal, eu o avisei: você vai se dar mal. Nem 24 horas após sua publicação, assim foi. Os insultos, os ataques, o desprezo, a fúria que incendiaram as redes se espalharam. E um garoto de 17 anos se tornou um alvo.
Cinco anos se passaram. E hoje, tudo o que ele escreveu é quase consensual. Todos falam da emigração dos jovens, da carga fiscal, da qualidade miserável do debate político, do salário dos policiais. Até o IL reivindica creches gratuitas e a lei da eutanásia é insistentemente reenviada ao Tribunal Constitucional. Já o autor do texto meteu a viola na mala e perdeu completamente a vontade de intervir no espaço público. Para quê?
Se há cinco anos foi atropelado pelos soldados do regime, hoje teria sido acarinhado pelos populistas do Chega. Não sei o que é pior, e ele não quer descobrir. O Chega fez e faz o que todos os partidos populistas fazem: tornam-se porta-vozes de vários descontentes, aproveitam o desalinhamento entre eleitores e partidos tradicionais e amplificam a desconfiança no sistema político. Essa é a sua linha "ideológica". Ou, citando Marcelo Caetano sobre as teses do professor Soares Martinez: suas ideias originais não são boas e as boas não são originais. Os populistas, tanto de direita como de esquerda, movem-se pelo ódio, pela raiva, pelo escárnio, pela tentativa de destruir caracteres e credibilidade dos adversários. Os fins justificam os meios, que se resumem à conquista do poder apenas pelo poder para fazer com ele quem sabe o quê. E vale tudo, até arrancar os olhos.
Voltando ao artigo. Aquilo que impressionou há cinco anos foi a violência dos soldados do regime que escolheram o ataque ao mensageiro em vez de discutirem a mensagem. E o que impressiona hoje é a apropriação pelos populistas de temas que exigem ser debatidos e resolvidos com moderação, sensatez, pragmatismo e elevação. O resultado desta esquizofrenia política é que hoje falar sobre imigração, autoridade nas escolas, liberdade de escolha na saúde e na educação, exigência nas avaliações ou melhores condições nas forças de segurança, é como hastear bandeiras do Chega. Mas não: para o Chega estes temas são apenas um meio para chegar ao seu fim, como podia ser a cor da bandeira de Portugal ou o tamanho dos ovos das galinhas se estas fossem as discussões populares nos cafés. O fim, é que não se sabe qual é. Um miúdo de 17 anos teve razão antes do tempo. Pena que só a esquerda o tenha ouvido.